Voltamos daqui a seis meses. Até já.
Toda a gente que por aqui passa e que nos acompanha desde o início sabe que o meu sonho tem um nome. Chama-se ONU. E que esta coisa de colocar tudo à venda com o propósito de ir estudar para o Colégio da Europa tinha em vista isso mesmo: chegar um dia às Nações Unidas.
Agora, digam-me lá, vocês lembram-se da minha ida ao programa da Querida Júlia, certo. Então sentem-se que eu tenho uma história para vos contar.
Ora no dia seguinte ao do programa, já refeita dos nervos [que isto de fazer directos televisivos arrasa com uma mulher], estava eu a caminho do emprego quando toca o telemóvel: Muito bom dia, daqui fala Joaquim Figueirinha, da UN Volunteers e queria dizer-lhe que foi pré-seleccionada para a nossa missão em Timor, com vista à preparação e acompanhamento do acto eleitoral de 2012.
Eh pá, pois que na altura até pensei que fosse um amigo meu a gozar comigo por ter ido à televisão, do tipo apanhados. Mas não, chamada internacional, tudo muito profissional. Ai pessoas, comecei a tremer, a tremer, a tremer e as lágrimas a caírem-me pela cara abaixo, vocês não estão a ver bem a cena. Quando desliguei o telefone senti cá uma falta de ar e uma vontade de rir e chorar ao mesmo tempo, tudo ali em segundos, e desatei a correr rua fora com as mãozinhas levantadas para o céu e só dizia Obrigada Senhor, Muito Obrigada.
Seleccionada. Eu. Nem queria acreditar, até porque há anos que me tinha inscrito na bolsa de voluntários e nunca tinha sido chamada.
Bom, e-mail para aqui, e-mail para ali, burocracias do caneco e eis que passo à fase seguinte. Foi a loucura. Mais e-mail para aqui, e-mail para ali, burocracias do caneco e eis que temos entrevista agendada via telefone [e em inglês] para dia tal às 9 horas da manhã. Nesse dia levantei-me eram cinco horas da matina para treinar o inglês em voz alta. Às oito quando me enfio na banheira pensei, ok deixa-me cá tomar um banho e arranjar-me para estar fresquinha quando os senhores ligarem. Ora estava eu toda cheia de shampoo e gel de banho quando me toca a porra do telemóvel. Vocês não estão bem a ver a coisa. Fiz a entrevista toda a pingar e a limpar espuma dos olhos com o gato de roda de mim. Fui entrevistada por três pessoas e sempre em inglês.
Depois esperei quinze penosos e longos dias quando recebo um e-mail a dizer: parabéns, passou à fase seguinte [gente aquilo é fases que nunca mais acaba]. E vai de receber uma série de papelada para tratar e exames médicos para fazer, mais uma série de requisitos para cumprir e eis que na semana passada, pessoas, sai a decisão final: fui seleccionada, sim, e tenho que estar em Díli dia 23 de Julho.
Eu ao serviço das Nações Unidas como Voluntária, por seis meses. O sonho de uma vida. Vinte anos a querer muito isto, a sonhar tanto com isto, a trabalhar todos os dias por uma oportunidade destas. Bem sei que é como voluntária, sei disso, mas vai ser uma experiência do camandro e depois quem sabe, outras oportunidades vão surgir.
Mas, uma vez que sou funcionária pública, não bastava os senhores das Nações Unidas quererem-me lá. Era preciso que os dirigentes do local onde trabalho me autorizassem a saída. Vai de esperar mais uns dias. Papel para cá, papel para lá, que se eu não morri a semana passada com os nervos nunca mais morro. E eis que já no fim da semana sai a decisão final, que sim, tudo bem, podia ir por seis meses. Nem queria acreditar.
Só que esta não é uma felicidade plena. Assim que esta perspectiva de ir para Timor ia ganhando forma tratei logo de começar a ver tudo o que seria preciso para levar o gato. Passaporte, documentos, recolha de informação junto das companhias aéreas, essas coisas, porque na minha santa ingenuidade e desconhecimento nunca me passou pela cabeça que ele pudesse correr riscos numa viagem desta natureza e, como sempre disse, para onde eu fosse ele iria também.
Só que não. A primeira nega veio logo da veterinária dele, que é também veterinária municipal. Digo-te já que não vejo isso com muitos bons olhos mas ainda assim vou informar-me melhor na Direcção Geral de Veterinária sobre essa situação. Uma coisa é viajares com ele para Bélgica ou qualquer outro país da Europa [excepção feita ao Reino Unido, claro] outra é levares o Sebastião para a Ásia e, ainda por cima, para Timor. Mas eu vou informar-me.
Dias depois tinha a resposta dela. Nem pensar. Em Timor ainda há raiva e mesmo vacinado não está isento de risco. Nem pensar porque teria que ir no porão e a viagem dura dois dias e eu não vou dar-lhe uma anestesia de cavalo. Nem pensar porque numa viagem tão longa há fortes probabilidades de ele contrair uma insuficiência renal ou hepática e em Díli não tens meios para o tratar. E, ainda que eu compactuasse com essa loucura toda de o quereres levar para o outro lado do mundo por seis meses, nem pensar porque nos termos do Regulamento Comunitário 998/2003 há fortes probabilidades de, no regresso, aquando da entrada no espaço europeu ele ficar retido no primeiro aeroporto [sendo que nenhum deles seria o de Lisboa] para quarentena [e saca-me do artigo 14º do Regulamento]. Eu chorei baba e ranho mas nada.
Em desespero [a Dra. Maria João que me desculpe e por favor tão pouco se sinta ofendida que eu confio em absoluto no seu trabalho] contactei um outro veterinário, mais concretamente o Prof. Joaquim Henriques de quem tenho as melhores referências em busca de uma segunda opinião e de uma luz ao fundo do túnel, uma solução. Nada. Tudo igual. Nem adiantou fazer beicinho e virem-me as lágrimas aos olhos. Levei com um “a minha obrigação é salvaguardar e preservar a saúde do Sebastião por muito que isso lhe custe e por muito que vocês nunca se tenham separado os dois. Agora se o quiser levar é por sua conta e risco”. Só faltou dizerem-me para encomendar o caixão, credo.
Mas, ainda assim, vai de ligar para a embaixada, só para saber, até porque já tinha andado a ver companhias aéreas de transporte de animais. Não aconselham de todo. Falei com a Sra. D. Alexandra que me disse, também ela ter passado por este dilema e ter optado por deixar o seu gato com os pais. Um desespero.
Confesso que nos primeiros dias e de cabeça perdida cheguei a ponderar a hipótese de não ir e recusar esta oferta. Levei tempo a habituar-me à ideia de ter que embarcar sozinha. Nós nunca estivemos um sem o outro, nunca. Mas com o tempo e com a ajuda dos amigos lá decidi que seis meses passam depressa e que esta é uma oportunidade única. Por isso, por muito que me custe [e se tenho amigas daquelas em bom com quem o vou deixar e que sei que lhe vão encher o cu com mimo], optei pela saúde e pelo bem-estar dele [complicado foi mesmo gerir os ciúmes das preteridas, mas pronto].
Quanto ao dinheiro arrecadado mantém-se a lógica de sempre. Fica guardado e será gasto em formação no estrangeiro. A verdade é que encarei sempre o Colégio da Europa como uma forma de chegar à ONU e agora lá chegada, depois da missão, irei decidir se o Colégio continua a fazer sentido ou se é mais vantajoso para mim optar por uma especialização na área dos Direitos Humanos ou Direitos dos Refugiados, por exemplo. Nessa altura, e já depois de ter passado por esta nova experiência, irei ponderar qual a melhor formação, onde aplicar o dinheiro que consegui com a ajuda de todos vós e se esta fantástica viagem continua em direcção a Bruges ou se apontamos caminho para Haia ou Genebra.
Por tudo isto, este nosso Take us to Bruges vai ficar suspenso até ao meu regresso a Lisboa. E se esta tem sido uma jornada incrível com todos vós ao meu lado, aquela que se seguirá será seguramente ainda melhor. Deixem-se ficar por aqui. Próxima paragem: Timor, ao serviço da United Nations Volunteers.