É recorrente ouvir as pessoas dizerem-me que valorizam esta determinação que me guia, que gostariam de ter um pouco desta ousadia e que esta perseverança que coloco em tudo o que faço é notável. O que as pessoas não sabem é que por trás de tudo isto está uma mulher admirável. A mulher que sempre me amou duas vezes mais do que os outros, a mulher que apostou um dia fazer de mim tudo aquilo que ela não teve oportunidade de ser, a minha avó.
A avó sempre me tratou das feridas mas nunca me levantou do chão, abraçava-me o corpo mas nunca me limpou as lágrimas, aconchegava-me os lençóis mas não esperava que eu adormecesse, espreitava-me da janela mas nunca me ajudou a atravessar a estrada e sempre que eu vinha queixar-me das patifarias dos miúdos mais velhos enxotava-me para a rua dizendo “não quero cá gente medricas”. A minha avó, que sempre me amou duas vezes mais do que os outros, nunca me deixou ceder sem primeiro tentar, nunca aceitou que desistisse do que quer que fosse e, por isso mesmo, dizia-me amiúde que de um sonho não se desiste custe o que custar e leve o tempo que levar.
Em suma, é verdade que nós somos fruto de circunstâncias várias, sim. Mas também não é menos verdade que somos igualmente aquilo que os outros fizeram ou não fizeram de nós. A avó costumava dizer-me que não tem mal tropeçar, que não tem mal cair. Afinal só se levanta quem está no chão e só caminha quem sabe para onde vai.